Quem aprofunda no Yoga, descobre que o yoga não é um momento isolado da vida que você vive. Isto inclui o que você faz, para si mesmo, para o outro e para o mundo. E o que você faz envolve a atividade mental, emocional e física. Envolve os sentidos e os veículos através dos quais nos expressamos no mundo, como também a forma em que percebemos as coisas e como agimos ou reagimos a elas.
O que acontece depois que saímos de uma prática de yoga? Costumamos nos sentir mais leves, mais equilibrados e conscientes. Porém, logo que chegamos em casa, no trabalho, ou enfrentamos o congestionamento no trânsito, o estado de equilíbrio é desafiado. Vivemos várias situações que testam nossa habilidade de manter o estado positivo alcançado na prática. Vivemos entre a cruz e a espada, do Ser e do Fazer porque quando vamos para o Fazer, tendemos a esquecer o Ser.
Sabendo desta realidade humana, Patânjali, antes de abordar o caminho do Yoga em oito etapas, descritas nos Yoga Sutras, fala do Kriya Yoga, ou seja, das ações preliminares, ou preparatórias para a prática eficaz do yoga, no sentido de promover a autotransformação e expansão da consciência. Estas ações consistem em disciplina e auto-superação (tapas), autoconhecimento (svadhyaya) e entrega das ações a Deus (ishvara pranidhana). Estas três medidas aparecem novamente nos Nyamas, a segunda etapa da senda, como recomendações para o burilamento interior.
Antes de Patânjali, krisna também orientou seu discípulo Arjuna, a entregar as ações a Deus, como uma atitude libertadora para a manifestação do Ser pleno, como descreve o Bhagavad Gîtâ.
Entrega das ações à consciência suprema é o cerne do karma Yoga. Para chegar a esta entrega, precisamos primeiro disciplinar a mente e os sentidos para ampliar a autoconsciência e assim se colocar como um instrumento da consciência divina e ser guiado por ela.
E o que é a entrega da ações a Deus? É a ação com desapego, a ação não egoísta. Através da ação desapegada podemos ficar mais serenos diante dos desafios da vida. A entrega é uma atitude que te desvencilha do jogo da mente que fica presa às vivências do passado e cria ansiedades nas projeções do futuro.
Isto acontece quando nos afastamos da consciência que fica obscurecida e assim nos tornamos vulneráveis às armadilhas do ego e presa fácil dos condicionamentos da mente.
Neste sentido, avidya, a ignorância do Ser é considerado a raiz do sofrimento da humanidade, tanto pelo Yoga quanto pelo Budismo. O desconhecimento de quem eu sou torna obscuro a percepção do que devo fazer da minha vida, de como potencializar a existência, e assim me torno suscetível aos movimentos da superfície e aos disfarces da realidade oculta, me tornando um agente inconsciente deste jogo.
Do desconhecimento do Ser, nasce egoísmo e dele os vários problemas individuais e coletivos. A dificuldade de pensar no outro, de compartilhar, de agir pelo bem comum. O egoísmo é a causa do que o professor Hermógenes denominou egoesclerose, uma doença degenerativa do ego que nos deixa mais suscetíveis, irritadiços, estressados.
Sendo assim, Karma Yoga, sendo a ação não egoísta é o antídoto do individualismo doentio que caracteriza a sociedade contemporânea.
Através do karma yoga somos convidados a sair do narcisismo e das motivações de interesses pessoais para interagir com a vida, servindo ao bem comum. Somos convidados a perceber nossa função no universo e exercer o dharma, ao contribuir para a suprema obra da evolução e assim reverter as consequências negativas das atitudes.
A ação egoísta e ignorante pode trazer desdobramentos prejudiciais ao outro e a si mesmo. Um governante que deixa de cumprir sua função pública para atender interesse privados, corrompendo a confiança depositada nele. Um cidadão, em detrimento do espaço comum de convivência, que quer saciar desejos e necessidades imediatas e pessoais, por exemplo colocando música alta em seu apartamento às 7:00 da manhã. Podemos citar vários exemplos destas situações.
Estes desdobramentos prejudiciais das ações egoístas e ignorantes, cria o karma negativo, pois estas ações geram reações indesejadas e outras subsequentes que formam um teia , um emaranhado, no qual ficamos presos. É o samsara (roda kármica) de cada um que provocam reações em cadeia que se entrelaçam, formando o samsâra coletivo. Neste sentido, o Karma yoga visa superar os resultados negativos da ações inconscientes.
Observe suas atitudes. Você age ou reage? O que fundamenta suas iniciativas? Se nos observarmos com frequência , na maioria das vezes reagimos. Oferecemos respostas a vários estímulos: às provocações de alguém, às incitações da moda, às mensagens subliminares da mídia.
Mesmo que as reações não sejam externalizadas, elas acontecem no nosso corpo. O frio na barriga, o coração disparado, a sensação de calor ou frio. São as reações do sistema nervoso simpático e parassimpático, provocando respostas de stress ou relaxamento.
As reações do ego, que tem uma visão restrita da vida, baseada na sua própria construção, são motivadas, na maioria da vezes pelo orgulho, medo, vaidade, intolerância. Estas reações instintivas constituem padrões negativos da mente que criam condicionamentos e tendências destrutivas.
Mas se o Ser se fizer presente, através da entrega, e permitirmos que as circunstâncias da vida passe pelo crivo da consciência, podemos agir com sabedoria para vencermos a condição humana.
Esta é a habilidade das ações mencionada no Gîtâ. Agir com sabedoria e equanimidade. Isto é Yoga.
A entrega das ações a Deus, no Karma Yoga, é superar a reações da vida instintiva e não ser reativo, mas ter consciência de si mesmo, do seu semelhante e da relação com o universo. É oferecer a outra face, como diz o Cristo. Oferecer uma outra alternativa de ação que não gere mais ódio, mais intolerância, mais desrespeito.
É oferecer outras respostas emocionais para ficarmos menos ansiosos. Quando exercemos o desapego na ação, reduzimos a ansiedade gerada pela expectativa do desempenho. Você pode dar o melhor de si sem se apegar com os resultados. Se será vitorioso, reconhecido, valorizado, uma vez que o maior prêmio é a paz da consciência.
O importante é você fazer o que pode e não se preocupar com o que não lhe cabe, pois existem situações na vida em que não podemos controlar.
Se você der tudo de si, fizer sua parte, ser paciente e concentrado, provavelmente seus objetivos serão alcançados, sem que você tenha que criar muita ansiedade para obtê-los.
Porém, nosso ego é muito preocupado com a autoimagem, com o que vai ganhar e perder. Queremos ter tudo porque somos carentes insaciáveis e não podemos perder nada porque temos medo e do medo nasce o apego aos vínculos criados pelo ego, o apego a uma falsa percepção de realidade.
Em outras palavras, queremos ter o máximo de ganhos e o mínimo de perdas. Mas nem sempre isto acontece e as frustrações são inevitáveis, nos altos e baixos da vida.
Diante desta realidade, Krisna esclarece a Arjuna, no Gîtâ, que no mundo relativo, onde as mudanças são constantes, a felicidade plena nem sempre é possível. Então convida seu discípulo a despertar a consciência da realidade oculta da existência, descobrir a eternidade do Ser através da ação com desapego.
O karma yoga ensinado por Krisna é a união dos desejos pessoais com a vontade divina. Desapego é isto. Quando o desapego acontece, nos tornamos mais serenos. E quando superamos o egoísmo, através do Karma Yoga, deixamos de pensar só em nós e nos colocamos a serviço da humanidade.
Neste sentido, karma yoga é o amor na prática que motiva o Sêva, o serviço voluntário. Dedicar suas ações a Deus é fazer algo pelo outro, porque Deus está no outro, está na vida . E geralmente quem se dedica ao trabalho altruísta, entra em uma corrente positiva, onde a pessoa que doa é a que mais recebe, em termos de saúde, de otimismo, de estar preenchido de luz, de Deus. De estar exercendo a presença do ser através do amor incondicional, que desarma o ego.
Quando pensamos em karma yoga lembramos de Gandhi, de Madre Tereza de Calcutá e também do jovem que bate à nossa porta, arrecadando alimentos para a campanha do quilo. É qualquer atitude em que possamos ser solidários e fraternos, mesmo que seja ouvir e compreender o outro, de exercer a compaixão.
Finalmente, o Karma yoga é uma extensão da prática do Yoga. Enquanto respiramos e mobilizamos o corpo em posturas e depois relaxamos e meditamos, estamos interiorizados, só consigo mesmo em busca da transcendência e iluminação. E o karma yoga é momento em que compartilhamos a iluminação, o equilíbrio, transformando-se num bohisatwa, como diz o Budismo, aquele que busca a iluminação para si mesmo e para o outro.
Karma yoga é uma oportunidade de servir aos ideais de fraternidade humana e universal. É exercer seu dharma, zelando pelo bem comum, contribuindo para uma vida melhor. Como diz Gandhi: Só existem dois dias em que não podemos fazer nada o ontem e o amanhã. Então comece agora a prestar atenção em si mesmo, ativando a consciência para que você faça o melhor pela sua vida e de seus semelhantes.
Para encerrar, lembrei-me de uma história budista, em que o discípulo pede orientações a seu mestre sobre como se obter a iluminação. Ele responde: lave sua louça.
Namastê
Adriana Braga ( professora do PADMI – Núcleo de Yoga e Arte)